segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Crítica: A Teoria de Tudo, de James Marsh


A Teoria de Tudo

Agradável e cuidadoso


É difícil não gostar de A Teoria de Tudo: trata-se de um filme com uma história tocante, ótimas atuações e um visual colorido quase fabulesco. Mas nada disso é à toa, tampouco feito apenas para agradar o público, já que o diretor James Marsh e sua equipe mostram um imenso cuidado em pequenos detalhes do filme, que acabam por transformar a obra não apenas em uma experiência emocionante, como também em um fascinante estudo cinematográfico.


Baseado da biografia de Stephen Hawking, o filme retrata uma grande parte da vida do astrofísico (interpretado por Eddie Redmayne), e suas importantes descobertas sobre o tempo, além de sua doença motora degenerativa e seu romance com Jane Wide (Felicity Jones).


O roteiro escrito pelo estreante Anthony McCarten é extremamente feliz ao construir uma história de amor que seja tocante sem ter que apelar para o melodrama. Da mesma forma, é outro acerto que o brilhantismo de Stephen Hawking seja sempre retratado de maneira plausível, pois por mais que possamos não entender sua lógica, ao menos percebemos seus esforços para chegar às suas conclusões, e isso faz com que o personagem soe real ao invés de um gênio sobrenatural inigualável, um erro que é muito comum em cinebiografias.

Outra coisa muito competente é a trilha sonora de Jóhan Jóhannsson (também responsável pela música do excepcional Os Suspeitos, de 2013), que, com linhas de piano excepcionais, consegue retratar desde o deslumbramento do personagem para com sua família até suas crescentes dificuldades nas atividades diárias.

(Obs: Todas as músicas do filme podem ser ouvidas aqui).


As atuações também estão impecáveis: Felicity Jones retrata Jane de uma maneira segura, convencendo como ponto de apoio e inspiração para o protagonista, e Eddie Redmayne, em uma performance física excelente que deve lhe valer uma indicação ao Oscar, vive Stephen Hawking em uma entrega completa, sendo extremamente competente ao demonstrar de maneira sutil e lenta o avanço da doença sobre o personagem, assim como a sua insegurança e preocupação com a esposa e os filhos.

O filme só erra mesmo ao se estender mais do que o necessário nos seus 40 minutos finais (que poderiam ter sido reduzidos, sem problema algum, para uns 20), o que acaba cansando o espectador, principalmente levando em consideração que essa é a parte mais densa e pesada da história, e por mais que seja um trecho necessário por se tratar de um importante período da vida do protagonista, acaba destoando demais com o restante da projeção, que é mais otimista e lúdica.

Truques de Direção e Jogo de Cores:

Mas o que mais chama a atenção em “A Teoria de Tudo” é, sem duvidas, o seu jogo de cores e seus truques de direção. James Marsh usa, em diversos pontos da narrativa, pequenos detalhes que às vezes até passam despercebidos para boa parte do público, mas que acabam por incrementar e enriquecer a obra cinematograficamente.

(As imagens podem ser ampliadas com um clique).

O primeiro detalhe que me chamou a atenção acontece bem no momento em que Stephen desaba durante uma caminhada, logo antes de receber a notícia da doença, quando o diretor corta para um plano mais aberto e enquadra o personagem caído entre uma janela em forma de cruz, dando uma ideia do aprisionamento ao qual ele irá ser submetido a partir daí e remetendo até mesmo à uma lapide de cemitério.


Essa mesma lógica é usada quando vemos Stephen tomar banho logo depois, enquanto está “digerindo” a notícia da doença e de sua provável morte, quando James Marsh o filma de costas, mal dando para ver sua cabeça abaixada, enchendo ainda o cômodo de vapor, dando à imagem um visual de pesadelo.


É interessante reparar também que quando Stephen recebe a notícia de sua doença, ele está sentado em um banco do hospital com a câmera o mostrando relativamente grande no quadro, mas enquanto ele vai processando o peso do que acabou de ouvir, a câmera vai gradualmente se afastando, deixando-o cada vez menor para representar a sua impotência diante da situação.







Outro detalhe muito bem usado por Marsh é quando vemos Jane indo se encontrar pela primeira vez com Stephen depois da notícia da doença, onde o diretor  utiliza um plano contra plongé (de baixo para cima) mostrando a personagem subindo uma escada em espiral, criando assim uma imagem quase de ilusão, e dando uma ideia da dificuldade que ela irá enfrentar a partir daquele momento.


O jogo de cores do filme também é extremamente bem feito e cuidadoso. Reparem como em todas as cenas em que Stephen e Jane se encontram, o quadro está sempre cheio de cores vivas, chegando até a acontecer uma queima de fogos sobre os dois.








Já quando Stephen recebe a notícia de sua doença e tenta se isolar de sua parceira, James Marsh nos mostra o personagem cabisbaixo e mergulhado em luz vermelha (representando o sentimento de estar no inferno vivido pelo protagonista), e quando Jane aparece no quadro, a vemos pequena e sob uma luz branca (representando a esperança que ela irá trazer agora à vida de Stephen).


Seguindo a mesma lógica, em uma cena em que vemos o casal se divertindo, o quadro está todo cheio de cores vivas, mas quando, logo em seguida, Stephen decide parar com isso e se isolar em seu quarto, se entregando à própria tristeza, a câmera vai seguindo-o e as cores vão desaparecendo, até chegarmos ao quarto e nos depararmos com o aposento cheio de sombras.






 Já quando acompanhamos a família do casal crescendo, e vemos o protagonista, cada vez mais limitado fisicamente, brincando com seus filhos, as imagens são sempre coloridas, cheias de cores como verde e amarelo. Mas quando o casal está em crise e passando por dificuldades, as cores somem quase que por completo, dando espaço à uma paleta completamente insaturada, enquanto as imagens ao fundo do quadro aparecem completamente fora de foco, quase distorcidas.














Sendo, desde já, um forte candidato a pelo menos algumas indicações ao Oscar, A Teoria de Tudo é mais do que um filme “certinho” que agrada pela sua história, é um trabalho cuidadoso de uma equipe que se preocupa em fazer uma obra de qualidade e brindar o espectador com fascinantes lógicas cinematográficas. E filmes assim são sempre bem-vindos.

Ótimo!

João Vitor, 12 de Janeiro de 2015.

2 comentários:

  1. Muito bom! Realmente esses pequenos detalhes passam despercebidos aos olhos do público,A Teoria de Tudo é um filme excelente,muito bem produzido e com uma trilha perfeitamente harmoniosa e bem composta,parabéns pelo seu blog e pelo canal no YouTube,onde tive a oportunidade de ouvir a trilhar sonora do filme.Muito bom,eu recomendo!

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  2. Don't die before I do, please

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