sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica: Carol, de Todd Haynes

Todd Haynes é um diretor no mínimo curioso. É difícil entender como um cineasta capaz de fazer um drama tão comovente e sensível como “Longe do Paraíso” (2002) foi capaz de fazer um filme tão incômodo e frio como “Mal do Século” (1995) alguns anos antes. Da mesma maneira, é interessante, mas também gratificante, notar que mesmo depois da ambiciosa, mas extremamente fria cinebiografia de Bob Dylan (“Não Estou Lá”, 2007), o diretor seja capaz de comandar um filme tão delicado e belo como este seu novo “Carol”.


O filme tem início na década de 50, e nos apresenta duas personagens bem distintas. Therese é uma jovem de 20 e poucos anos que trabalha em uma loja de brinquedos. Sendo completamente introvertida, e até infeliz, ela tem a fotografia como hobby, mas não possui grande interesse em se relacionar socialmente (“Não entendo quem gosta de fotografar outras pessoas”, diz em certo momento). Já Carol é uma mulher bem mais madura, segura de si, com uma filha pequena, e que está passando pelo processo de divórcio.


As duas se encontram brevemente na loja em que Therese trabalha e não demora muito para começarem a sentir uma forte atração uma pela outra. O que não seria um problema se elas não vivessem em uma sociedade profundamente preconceituosa, onde a simples possibilidades de duas mulheres se amarem e morarem juntas é praticamente impensável.

Apostando em uma narrativa acertadamente melancólica (afinal, o romance está praticamente fadado à impossibilidade), o cineasta Todd Haynes é hábil desde o início em fazer o espectador se importar com suas personagens. Utilizando em diversos momentos uma câmera subjetiva que faz o público assumir o ponto de vista de Therese (como quando ela brevemente perde Carol de vista durante o primeiro encontro), e trazendo as personagens constantemente deslocadas, pequenas no quadro, o cineasta praticamente obriga o espectador a torcer (mesmo que em vão) para um final feliz.


Mas ainda assim, o filme evita pregações de como o preconceito é injustificável (afinal, todos deveriam saber disso), e foca na beleza e na honestidade do sentimento que surge entre as personagens, criando momentos praticamente sublimes (como aquele que traz Therese timidamente fotografando Carol na neve).

A trilha sonora composta por Carter Burwell (colaborador recorrente dos brilhantes irmãos Coen) é linda, sendo delicada e melancólica, mas também se permitindo momentos de felicidade e esperança (como no blues que acompanha as personagens em um passeio de carro, no auge do relacionamento).


O elenco é impecável, mas por mais que Cate Blanchett seja quem vai concorrer na categoria principal do Oscar, é Rooney Mara (que concorrerá como coadjuvante - sendo até agora a franca favorita), o grande destaque do filme. Atriz de quem sou cada vez mais fã, ela vem se mostrando não apenas de um enorme talento, como também de uma versatilidade invejável. É impressionante como a mesma atriz capaz de tamanho mistério e dubiedade em “Terapia de Risco” (2013), ou a imensa frieza e ameaça em “Millennium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres” (2011), seja também capaz de tamanha doçura e vulnerabilidade vista neste “Carol”. E ainda que concorra como coadjuvante, sua personagem é a protagonista da trama. Começando como uma pessoa que tem dificuldades até de conversar com amigos, ela encontra em Carol uma razão para viver, passando a enxergar o mundo de outra forma. E é interessante notar como no início Todd Haynes constantemente traz a personagem no lado esquerdo (mais fraco) da tela, mas conforme ela vai amadurecendo e ficando mais segura de si, passa a ocupar o lado direito.

O cuidado na parte técnica também é palpável. No início, Therese sempre surge usando preto, o que reflete sua infelicidade, mas após conhecer Carol (que por sua vez usa constantemente cores luxuosas como o rosa e o vermelho) ela passa a usar um pequeno chapéu colorido, e quando decide se entregar de vez ao seu sentimento, surge vestindo um casaco completamente vermelho.

Em um país que tem como deputado mais popular uma pessoa que defende que ser homossexual é “falta de apanhar”, e casamento igualitário é visto como “ditadura gay”, filmes como “Carol” são mais do que um simples entretenimento, são retratos necessários da sociedade, que escancaram o absurdo que é condenar o amor entre pessoas do mesmo sexo. Emocionando e entristecendo não só pela história que tem para contar, mas principalmente por levar à inevitável conclusão de que mesmo passados 60 anos, pouca coisa mudou.

  • Ótimo!
João Vitor, 6 de Janeiro de 2016. 

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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