quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Crítica: Spotlight, de Thomas McCarthy

Não é por acaso que Spotlight vem surgindo como um dos principais nomes para o próximo Oscar. Trata-se de um filme muito bom, com um ótimo roteiro e um elenco recheado de atores queridos e homogeneamente competentes. E por mais que a duração possa parecer um pouco longa para uma parte do público, a força de sua história é tanta, que é praticamente impossível conhecê-la e não se revoltar com tamanha injustiça e covardia.



Baseado em uma história real, o roteiro acompanha um grupo de jornalistas de Boston enquanto estes reúnem documentos capazes de provar casos de pedofilia praticados por membros da Igreja Católica.


A meia hora inicial do filme pode até parecer um pouco lenta, já que se dedica basicamente a apresentar seus vários personagens e o ambiente em que eles trabalham, mas ainda assim, o roteiro já acerta por apresentar com calma os obstáculos que os jornalista terão que enfrentar (desde o fato de a maioria de seus leitores serem católicos, o que faz com que os editores hesitem em enfrentar a Igreja legalmente, até o fato de que muitas das vítimas não estão preparadas para falar sobre os casos, já que isso poderia repercutir negativamente para eles mesmos).


Mas basta os jornalistas começarem suas apurações e suas entrevistas com os envolvidos nos casos para o filme prender a atenção do espectador até o fim.

A primeira cena memorável traz o grupo entrevistando um rapaz que foi molestado por um padre enquanto criança. Só esse momento já justificaria qualquer indicação a prêmio que o roteiro possa receber. É impressionante como os roteiristas conseguem passar a dimensão do abuso para a vítima (como o próprio personagem diz, trata-se de uma agressão não apenas física, como também espiritual) e também explicar como é fácil para um padre se aproximar de uma criança (começando com uma atenção um pouco maior, passando para algumas “piadas sujas”, até chegar no abuso em si). Trata-se da melhor cena do filme, e é uma verdadeira aula de roteiro.

A partir daí a narrativa fica mais dinâmica, a investigação vai tomando proporções maiores e o roteiro continua a incluir passagens memoráveis (“Ele é um dos sortudos, ainda está vivo”, diz um advogado sobre uma vítima, após ouvirmos seu depoimento e entendermos que para muitos o suicídio acaba se mostrando a saída mais fácil para o sofrimento que a pedofilia traz para a criança).

Uma decisão muito acertada por parte do diretor Thomas McCarthy é trazer os depoimentos das vítimas sem nenhuma trilha sonora, pois isso impede uma romantização artificial e ainda demostra um enorme respeito a elas. Sem contar que também os tornam muito mais chocantes, por soarem completamente realistas.

O uso de locações para as cenas externas também é impecável, principalmente por trazer sempre grandes igrejas ao fundo dos personagens, reforçando a constante lembrança dos abusos para as vítimas, e também simbolizando a imponência de seu poder, que é encarado por muitos como inquestionável – e a decisão do jornal de enfrenta-lo é louvável.

A direção do Thomas McCarthy é discreta, mas conduz com segurança o alto número de diálogos, e se destaca muito (e isso provavelmente o renda uma indicação ao Oscar) pela direção de atores. O elenco é grande e recheado de nomes de peso (Michael Keaton, Mark Ruffalo, Liev Schreiber, Rachel McAdams, Stanley Tucci, e por aí vai...), e todos estão surpreendentemente bem.


Liev Schreiber (um ator subestimado) surge como um dos maiores destaques do filme. Mantendo sempre a voz controlada e uma expressão séria, o ator passa uma determinação palpável. Michael Keaton também convence mais uma vez, passando a experiência e a calma de seu personagem, que de certa forma até contrasta com a juventude de seus colegas.

Outros que também merecem destaque são Rachel McAdams (que cria uma personagem não apenas dedicada ao extremo ao seu trabalho, como também capaz de uma gentileza tocante quando está entrevistando as vítimas), e Mark Ruffalo (um ator sempre competente, que surge como um dos mais inquietos e até um pouco impulsivo, mas também sempre dedicado ao trabalho e à ética).

Sendo desde já um dos favoritos a pelo menos algumas indicações ao Oscar (sendo o franco favorito para Roteiro Original), Spotlight é um filme muito competente, que conta uma história que há muito tempo merecia ser contada, e ainda tem a capacidade de fazer o espectador se importar e se indignar com os fatos ali retratados.


Muito Bom!

João Vitor, 3 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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