sábado, 6 de fevereiro de 2016

Crítica: Brooklyn, de John Crowley

Brooklyn é um ótimo filme. Leve e delicado, ele consegue emocionar pela sua simplicidade e seu visual colorido, e por mais que esteja longe de ser original ou inovador, acaba desenvolvendo sua protagonista com um extremo cuidado, e cumpre muito bem o seu papel.


A jovem irlandesa Ellis Lacey (Saoirse Ronan) se muda de sua terra natal e vai morar em Brooklyn para tentar realizar seus sonhos. No início de sua jornada nos Estados Unidos, ela sente falta de sua casa, mas ela vai tentando se ajustar aos poucos até que conhece e se apaixona por Tony (Emory Cohen), um bombeiro italiano. Logo, ela se encontra dividida entre dois países, entre o amor e o dever.

A direção de John Crowley não é nada mais do que discreta, mas isso não é necessariamente um problema. Como o destaque do filme está no roteiro, e Crowley o conduz com competência, é isso que importa. O único momento em que ele chama a atenção para si é quando traz um personagem levando um garfo à boca e no meio da ação corta para outro personagem “completando” o movimento, o que cria um leve raccord gráfico, que por mais que seja interessante, não acrescenta nada ao filme. Já a trilha sonora é bonita e cumpre seu papel, ainda que peque um pouco pela obviedade e falta de sutileza em alguns momentos (principalmente no terceiro ato).


A atuação central da Saoirse Ronan é excelente, e deve garanti-la uma indicação ao Oscar. Ela não apenas oferece uma condução segura, como ainda acha espaços para pequenas sutilezas, como no momento em que ilustra uma decepção durante um jantar apenas com uma leve mudança de expressão no olhar.

Após um acontecimento trágico (que obviamente não revelarei), o tom do filme fica um pouco irregular, e em alguns momentos parece estar se estendendo mais do que o necessário, mas isso dura pouco e antes de sua reta final a narrativa já se encontra e o filme volta a ficar muito bom.
Ainda assim, é uma pena que o título do filme dê uma impressão errada sobre o que ele realmente é, já que sugere que a temática principal será o lugar, sendo que na verdade é a personagem.


Mas o que mais chama a atenção em Brooklyn são seus figurinos e seu designe de produção, que não apenas fazem um excelente trabalho de reconstrução de época, como ainda têm muito a dizer sobre os personagens e suas trajetórias.

A primeira coisa a se notar é como o filme começa com figurinos coloridos, realçando o conforto que a protagonista sente em sua terra natal, a Irlanda. E sendo assim, é coerente que durante a trama a personagem passe a usar verde (uma das cores da bandeira irlandesa) para simbolizar sua casa, utilizando roupas dessa cor como um “lugar seguro”, para buscar conforto diante de suas dificuldades.



Quando ela começa a estudar nos EUA, por exemplo, no intervalo entre as aulas, quando ela busca um momento para si, ela aparece agasalhada com um grande sobretudo verde.


Seguindo a mesma lógica, quando ela vai ao trabalho e tem que enfrentar novos desafios, ela deixa sua roupa verde no vestiário e veste uma roupa preta. Tanto que ela demonstra estar vulnerável durante essas cenas, chegando até a desabar em choro.








Sendo assim, é curioso que o roteiro inclua uma fala da protagonista sobre como o corpo dela está nos EUA, mas sua mente está na Irlanda, porquê afinal de contas, os figurinos estão dizendo justamente isso.

Também é interessante notar como as primeiras pessoas a oferecerem ajuda a ela após sua partida usam sempre vermelho (cor presente na bandeira americana).








E quando ela encontra um interesse romântico em sua nova terra, e consequentemente passa a se sentir mais à vontade, é natural que ela também surja vestindo o vermelho (que não apenas está presente na bandeira, como também pode simbolizar o amor que ela está sentindo).




Mais para o final do filme (não vou dar muitos detalhes para evitar spoilers), a personagem passa a ficar mais dividida e mergulha em dúvidas, e seu figurino passa a refletir isso ao trazer roupas de várias cores diferentes (azul, amarelo, rosa, branco...), menos o verde e o vermelho que eram usados até então.













Após observar todos esses detalhes, é irônico ver como o próprio roteiro inclui uma fala sobre a importância de se usar a roupa certa, já que o cuidado da escolha das roupas por parte dos figurinistas é palpável.

Outro detalhe interessante do filme está em sua fotografia, que não apenas dá um belo toque melancólico à narrativa, como também inclui momentos quase fantasiosos, como quando a protagonista dá seu primeiro passo em solo americano e a vemos mergulhar em uma forte luz branca, e também quando ela está no navio deixando sua terra natal e sem saber o que esperar na nova terra, onde a luz também surge de maneira exagerada e até um pouco artificial fora do navio, representando o mistério, mas também o encantamento que a personagem sente indo para os EUA.








(Pule para o último parágrafo se não viu o filme)

E para finalizar o filme e concluir o arco da personagem, John Crowley e seu diretor de fotografia recriam essa mesma cena do navio, só que agora é a protagonista quem está oferecendo apoio a uma novata na América. Sendo assim, agora é ela quem ocupa o lado direito (mais forte) da tela, e a luz refletida no mar não está mais “idealizada” e sim muito mais realista, pois afinal de contas, ela já está familiarizada com sua nova realidade.









Como um todo, Brooklyn acaba sendo um filme bem simples, mas que demostra um imenso cuidado na parte técnica (o que pode lhe render um Oscar de Melhor Figurino) e desenvolve com carinho e competência sua protagonista, e compreende (ao contrário do título) que sua força se encontra justamente ali.

Muito Bom!

João Vitor, 1 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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