sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Crítica: Creed - Nascido Para Lutar, de Ryan Coogler

Particularmente, acho que uma das maiores surpresas do cinema americano nos últimos anos foi o filme “Fruitvale Station” (2013), dirigido por Ryan Coogler, que se tratava de uma experiência inesquecível e com uma direção impecável, que construía uma narrativa intensa e de uma incrível força dramática. Sendo assim, é óbvio que me animei ao saber que o mesmo diretor iria comandar a nova sequência da série Rocky, principalmente por trazer mais uma vez para o papel principal o talentosíssimo Michael B. Jordan. E felizmente posso dizer que eles não me decepcionaram.


O roteiro acompanha o personagem Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho ilegítimo do ilustre lutador Apollo Creed. Mesmo sem nunca ter conhecido seu pai, Adonis é apaixonado por boxe, e depois de largar tudo, vai atrás de tentar convencer Rocky Balboa (Sylvester Stallone) a treiná-lo.

Já de cara, é interessante notar como o senso de humor do filme é afinado. Mesmo sem parecer que está tentando fazer graça, o diretor e roteirista Ryan Coogler faz com que em diversos momentos o riso venha ao espectador de maneira natural e orgânica, sem nunca tirar o foco da trama. Gosto particularmente de quando ele afasta a câmera de dois personagens se beijando para focar em uma tartaruga observando tudo de seu aquário.


Mas talvez o maior mérito do senso de humor do filme seja de Michael B. Jordan. Ator de quem gosto cada vez mais, ele aqui oferece uma de suas melhores performances, conseguindo equilibrar muito bem o peso dramático que seu personagem carrega e o seu senso de humor, e mais uma vez, sem parecer que está fazendo graça, fazendo com que o riso surja espontaneamente.

Ainda assim, a atuação que mais chama a atenção, e não por acaso vem acumulando cada vez mais prêmios, é a de Sylvester Stallone como Rocky. Mesmo já tendo feito o mesmo personagem outras seis vezes, Stallone foge completamente do “piloto automático”, e impressiona pela sutileza, sendo o maior responsável pela força dramática do filme – e a cena que o traz sentado conversando casualmente com o túmulo da esposa, e quando ele fala com um médico sobre o câncer que a tirou a vida, são dois dos melhores momentos da obra.


Mas não é só pelas atuações que o filme se diferencia. O maior responsável pelo sucesso da obra é mais uma vez o diretor Ryan Coogler – e agora acho que posso dizer sem reservas que ele foi uma das melhores coisas a acontecer no cinema americano nos últimos anos. Mais uma vez apostando em uma abordagem com uma cara de cinema independente (embora mais contido do que em “Fruitvale Station”), Coogler cria uma narrativa intensa, que constantemente acompanha as costas dos personagens em longos planos sequência, e acerta em filmar as lutas com a câmera próxima aos rostos dos personagens. E é particularmente marcante o longo plano sequência que acompanha Adonis em sua primeira luta após o treinamento com Rocky, onde a falta de cortes cria uma tensão crescente e faz com que o espectador respire aliviado ao fim do combate (na verdade, assim como acontecia em “Birdman”, há ali alguns cortes escondidos no meio da sequência, mas isso não importa, pois o que vale é a ilusão da continuidade – que é o que cria a tensão e o desconforto).


Não poderia deixar de falar também sobre a trilha sonora, que faz um trabalho impecável, principalmente ao brincar com as expectativas do espectador quanto ao tema original e clássico da série (“escondendo” aqui e ali algumas notas da famosa música).

Mas apesar de todas as qualidades, não tem como dizer que o filme é perfeito, e o principal motivo disso é o roteiro. Escrito pelo diretor Ryan Coogler (que é bem melhor na direção do que na escrita), o texto está longe de ser ruim, mas tem diversas falhas que impedem o filme de alcançar a excelência.


Primeiro, é longo demais. Em determinado momento do filme há um acontecimento importante (que não revelarei, mas você com certeza reconhecerá quando ver) que dá uma nova perspectiva – interessante e bem vinda – para a narrativa, mas o problema é que Coogler gasta tempo demais nessa quase que sub trama, deixando o foco principal de lado, e fazendo com que o ritmo fique um pouco mais arrastado do que deveria. Vale dizer também que o “vilão” do filme deixa um pouco a desejar, sendo até um pouco caricato, e só funcionando porque o protagonista é muito forte.

Além disso, o clímax da narrativa é um compilado de todos os clichês possíveis de filme de boxe, e o único motivo pelo qual ele funciona (muito bem, diga-se de passagem) é porque os personagens foram construídos de maneira interessante e, principalmente, porque Ryan Coogler dirige com maestria, criando uma sequência de tirar o fôlego, e que faz o espectador deixar de lado todos os clichês do texto.

Sendo um trabalho muito acima da média e memorável, “Creed” surpreende a todo o momento, seja pela sua força dramática ou pelas sequências mais enérgicas, e mais do que tudo, representa mais um passo deste que vem se tornando um dos nomes mais interessantes do cenário cinematográfico americano atual.

Muito Bom!

João Vitor, 19 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

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