sábado, 27 de fevereiro de 2016

Crítica: Ex Machina: Instinto Artificial, de Alex Garland

Não é por acaso que o tema “Inteligência Artificial” é tão explorado no Cinema. As questões que isso levanta podem ser fascinantes se bem trabalhadas (“o que define um ser humano?”, “até que ponto podemos nos diferenciar das máquinas?”). E ao longo da História o tema originou verdadeiras obras primas, tais como “Metrópolis” (1927, Fritz Lang), "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968, Stanley Kubrick) "Blade Runner" (1982, Ridley Scott) e "Matrix" (1999, Andy e Lana Wachowski). Sendo assim, não deixa de ser surpreendente que mesmo décadas depois um tema já tão explorado consiga dar origem a um filme tão bom quanto este novo “Ex Machina”.



Escrito e dirigido por Alex Garland (roteirista conhecido por colaborar com Danny Boyle – “A Praia” (2000), “Extermínio” (2002) e “Sunshine” (2007) – e estreante na direção), a trama acompanha Caleb (Domhnall Gleeson), um jovem programador que ganha um sorteio para passar uma semana na casa isolada de Nathan Bateman (Oscar Isaac), que está em segredo construindo um robô com inteligência artificial, Eva (Alicia Vikander).

Desde o início é possível notar que o roteiro trabalha o protagonista para ser o ponto de vista do espectador (uma pessoa que é jogada em uma situação complexa, e aos poucos começa a compreendê-la), mas ao contrário de muitos outros filmes do gênero (até o competente “Interestelar” serve de exemplo), o roteiro não apela para diálogos demasiadamente expositivos, afinal, Caleb é um programador inteligente e não demora pra compreender as ideias de Nathan.


É claro que aqui e ali o texto dá uma escorregada, como ao terminar um diálogo com um clichê bobo (“Se você criou Inteligência Artificial, não é a História dos Homens, é a História dos Deuses”), mas no geral é mais do que competente, achando ainda espaço para momentos memoráveis (como o diálogo entre Caleb e Nathan sobre sexualidade).

As atuações também merecem aplausos. Domhnall Gleeson (ator de quem gosto cada vez mais) protagoniza o filme com carisma e competência, tendo ainda a oportunidade de adicionar uma discreta e bem vinda profundidade a seu personagem em um breve monólogo sobre seus pais.

Já Oscar Isaac (que a essa altura já é um dos meus atores preferidos) é o grande destaque do filme (e sua não indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, ainda que previsível, não deixa de ser frustrante). Seu personagem é cheio de dubiedade: ao mesmo tempo em que é capaz de despertar simpatia (reparem na naturalidade com a qual ele dá um leve toque amigável em Caleb durante uma conversa), também gera no espectador (e no protagonista) uma desconfiança cada vez maior, seja pelo seu alcoolismo ou pela clara omissão de informações. E a cena passada em um jantar onde seu personagem faz uma brincadeira (ou não?) sobre os eletricistas que trabalharam em sua casa é um dos melhores momentos do longa.


Fechando o elenco principal temos também Alicia Vikander (indicada a vários prêmios por este papel, e franca favorita para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu trabalho no filme “A Garota Dinamarquesa”). Sua personagem acaba funcionando, de certa forma, como uma outra versão do personagem de Oscar Isaac, também sendo capaz de conquistar a simpatia do espectador e do protagonista desde o início (com seu olhar doce, inocente e curioso), mas também gerando cada vez mais desconfianças conforme a trama avança. Aliás, acho uma pena que a atriz esteja ganhando tantos créditos pelo filme “A Garota Dinamarquesa” e não por este “Ex Machina”, pois se trata não apenas de um filme infinitamente superior, como também um trabalho de atuação muito mais desafiador e bem sucedido (e se em “A Garota Dinamarquesa” muitas outras atrizes poderiam ter tomado seu lugar, confesso que não consigo pensar em nenhum outro nome que faria sua personagem tão bem aqui).

A direção de Alex Garland também é hábil ao criar uma atmosfera tensa mantendo constantemente a câmera em movimento sorrateiro, como se estivesse vendo algo que não devia. E a escolha de quase não usar trilha sonora instrumental durante os dois primeiros atos, criando tensão apenas a partir de sons como vento e folhas, se mostra surpreendentemente eficiente.


E se a escolha de mergulhar a casa em luz vermelha toda vez que a energia cai pode parecer uma decisão óbvia da fotografia de Rob Hardy (afinal, o vermelho tende automaticamente a deixar tudo mais tenso), não há como negar que a estratégia funciona, e as cenas envolvendo diálogos entre Caleb e Eva durante essas quedas (que são também os únicos momentos onde eles podem conversar sem serem ouvidos por Nathan) estão entre os melhores do filme. Além disso, o fotógrafo ainda aproveita as belíssimas locações das poucas cenas externas do filme para criar verdadeiras pinturas (a cena envolvendo quedas d’água é a minha preferida – plasticamente falando).

Ainda que perca um pouco de força em seu terceiro ato (quando ele finalmente mostra suas cartas não deixa de ser interessante, mas é inegável que o suspense anterior era mais eficiente), “Ex Machina” é um filme inesquecível e inteligente. Não é o maior exemplo de originalidade, mas é mais do que bem sucedido dentro de sua proposta, mostrando que o gênero de ficção científica ainda pode ter muito para nos presentear.

Ótimo!


João Vitor, 4 de Fevereiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário