sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Crítica: Steve Jobs, de Danny Boyle

Dentre os cineastas estrangeiros em Hollywood, Danny Boyle é sem dúvidas um dos mais interessantes, pois é um profissional que está se desafiando constantemente, fazendo com que seus trabalhos sejam sempre diferentes uns dos outros. Filmes como “Trainspotting”, “Quem Quer Ser um Milionário?” e “127 Horas”, independente da qualidade, são obras que se diferenciam completamente entre si, cada uma criando um próprio universo e funcionando muito bem dentro dele.



Neste seu novo trabalho, “Steve Jobs”, o cineasta acompanha o personagem título (interpretado por Michael Fassbender) durante três momentos marcantes de sua vida e carreira. O lançamento do Macintosh (1984), sua passagem pela empresa Next (1988), e o lançamento do iMac (2001).

Desde os segundos iniciais o filme já traz um grande senso de urgência, e estabelece Steve Jobs como uma pessoa arrogante, mas inteligente, que tem uma quase irracional obsessão com cada mínimo detalhe em seu trabalho. E já de cara é necessário aplaudir a atuação de Michael Fassbender, que não apenas funciona dentro do contexto do filme, como ainda foge da caricatura, convencendo mesmo nas falas mais teatrais (“Você teve três semanas para resolver isso, o universo foi criado em um terço desse tempo”, diz em certo momento).


Kate Winslet (indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante pelo seu papel) também está muito bem, e por mais que nos dois primeiros atos ela não tenha muito o que fazer (sua personagem não é nada mais do que a “assistente do protagonista”), no ato final ela tem a oportunidade de adicionar uma forte carga dramática ao filme, e o faz muito bem.

Também não posso deixar de chamar a atenção para o trabalho de Seth Rogen, um ator cômico que eu particularmente gosto muito, mas que sempre achei limitado dramaticamente, e que aqui faz um papel muito importante e se sai surpreendentemente bem, conseguindo deixar de lado sua persona cômica e mergulhar completamente em seu personagem - e a cena que o traz discutindo com Jobs em um palco de orquestra é particularmente memorável, não apenas pelo forte texto e as ótimas atuações, como também pelo simbolismo (como o próprio Jobs fala, ele pode até não “tocar os instrumentos”, mas sabe desempenhar o papel de “maestro” e fazer todos trabalharem para o mesmo objetivo).


Aliás, é curioso que o próprio roteiro traga a comparação com uma orquestra, já que em diversos momentos a montagem e a trilha sonora trabalham juntas para criar uma estrutura quase orquestral – destaque para a cena que traz Michael Fassbender e Jeff Daniel em um duelo verbal (um de vários), onde a música vai criando um atrito cada vez maior, e a montagem intercala momentos do presente com pedaços de discussões passadas, criando uma sequência memorável e brilhantemente orquestrada.


O roteiro de Aaron Sorkin (que escreveu também o ótimo “O Homem Que Mudou o Jogo” e o brilhante “A Rede Social”) traz suas principais características – além dos já citados duelos verbais, o texto tem ainda vários momentos de “walk-and-talk”, que mesmo expositivos, funcionam graças à agilidade e o talento do roteirista para escrever diálogos, e pela maneira cuidadosa como ele constrói seus personagens. E o fato de ele ter sido esnobado pela Academia, no mesmo ano em que o favorito é o trabalho irregular de Adam McKay e Charles Randolph em “A Grande Aposta”, é extremamente decepcionante e injusto.

Vale apontar também que no terceiro ato o filme muda um pouco sua pegada, deixando o ritmo frenético um pouco de lado, e pesando mais o lado dramático, o que não é necessariamente um problema, já que isso acaba por humanizar ainda mais os personagens. Mas os segundos finais acabam mudando um pouco a lógica da narrativa para tentar terminar em uma nota otimista, o que acaba soando um pouco forçado e artificial, ainda que o diretor Danny Boyle consiga imprimir uma estrutura de fim de espetáculo que não apenas funciona, como também é coerente com o que ele vinha fazendo até então (tendo em vista o que eu abordei dois parágrafos acima).

Sendo acertadamente um filme sobre personagem e não sobre trama (os sucessos e fracassos das empresas são resumidos em segundos), “Steve Jobs” faz jus à seu personagem título, sendo fascinante e único, conseguindo se manter com o espectador mesmo depois de seu fim.


Muito Bom!

João Vitor, 17 de Janeiro de 2016.

Crítica originalmente publicada no site Pipoca Radioativa: http://pipocaradioativa.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário